sábado, 18 de outubro de 2014

Força de Travamento de Freios


Qual a força de travamento de um freio? Essa pergunta não trata de mera curiosidade de escaladores nerds, tendo um grande impacto sobre a segurança de uma escalada. A utilização de um freio inadequado em uma determinada situação pode ocasionar o arrancamento de proteções móveis, queimaduras nas mãos do assegurador e até queda de base do primeiro de cordada.
Os freios de asseguramento trabalham com atrito estático e dinâmico. A força de atrito estático máxima é a maior tensão a que a corda pode ser submetida antes de começar a deslizar no dispositivo. Até que esse valor seja atingido, a energia da queda é absorvida principalmente pela elasticidade da corda, pelo apertamento do nó de encordamento, pela deformação do corpo do escalador e pelo deslocamento do assegurador, além de ser dissipada pelo atrito do escalador contra a rocha e pelo o atrito da corda nas costuras. Vencido o atrito estático máximo, a corda começa a deslizar no freio e há uma queda brusca na intensidade da força de atrito. Entra em ação o atrito dinâmico, força menor do que a força de atrito estático máxima e que tende a se manter constante, caso não sejam alteradas outras variáveis, até que a corda pare de correr. Com o atrito dinâmico, o freio entra na equação de conservação de energia, atuando também como dissipador da energia da queda.
Portanto, as forças de travamento estática e dinâmica de um freio influenciam diretamente sobre dois fatores importantíssimos no asseguramento: a força de impacto máxima de uma queda sobre o sistema de proteção e o deslizamento de corda no freio.
Freios com grande poder de travamento estático facilitam o trabalho do assegurador, exigindo dele menor esforço para segurar uma quedas. A desvantagem é que esses freios geram uma força maior sobre o sistema de segurança, podendo chegar a mais de 800 daN sobre a última proteção em situações extremas.
A tabela abaixo, extraída do excelente livro "Cómo escalar vías de varios largos", escrito por Ignácio Lujan e Tino Núñez, publicado pela editora Desnível, dá uma idéia da resistência de proteções fixas, devendo-se ter em mente que esses valores podem variar muito para mais ou para menos em função do tipo de rocha, do envelhecimento do material, do tipo de aço etc:
Proteção
Resistência
Piton em fissura vertical
300-700 daN
Piton em fissura horizontal
700-2000 daN
Micropiton
100-300 daN
Spit M-8 (em rocha dura)
1.200 daN
Spit M-8 (em rocha fraca)
300 daN
Spit M-10 (em rocha dura)
1.500 daN
Spit M-10 (em rocha fraca)
500 daN
Grampo colado
2.500 daN
Parafusos e grampos de expansão
300-500 daN
Rivets
200-300 daN
Cunhas de madeira
20-200 daN
Túnel de rocha em granito (5 cm diâmetro)
3.000 daN
Túnel de rocha em granito arenoso (5 cm diâmetro)
200-500 daN
Túnel de rocha em calcário (5 cm diâmetro)
1.500 daN
Túnel de rocha em arenito (5 cm diâmetro)
500 daN

Obs. 1: quanto aos nossos grampos tipo "P", testes recentes indicam que eles têm resistência em torno de 1.000 daN.
Obs. 2: a resistência de proteções móveis é mais difícil de quantificar, pois geralmente são cotadas a resistência máxima da peça e não da colocação. Um friend grande que resista a 12 kN, por exemplo, pode ser sacado de pedras macias como arenito por uma força de 7 kN.
A partir dos dados da tabela, vê-se que o impacto de uma queda severa com um freio estático pode arrancar até mesmo uma proteção fixa considerada sólida. Além de arrancar proteções menos resistentes, forças de impacto muito elevadas maltratam a corda e dão um tranco maior sobre o escalador.
Já os freios menos poderosos limitam bastante a intensidade das forças sobre o sistema, poupando a corda, o escalador e as proteções. Por outro lado, como a corda começa a deslizar com forças menores, em quedas mais longas é possível que a corda queime as mãos do assegurador, havendo o risco de perda de controle da segurança do escalador.
O comprimento de corda que desliza pelo freio depende da quantidade de energia não absorvida pela corda que é dissipada dinamicamente no freio. Quedas longas criam forças de impacto em valores próximos aos de quedas curtas de igual fator, mas as primeiras envolvem uma quantidade maior de energia e resultam num deslizamento maior de corda no freio caso seja vencido a força de atrito estático. Enquanto o deslizamento não passa de alguns centímetros em uma queda de 1,5 m, pode chegar a mais de um metro em uma queda de 10 metros de mesmo fator.
Freios mais estáticos são, portanto, indicados para uso em vias com proteções fixas sólidas e para a segurança de pessoas mais pesadas. Freios mais dinâmicos devem ser utilizados em vias com proteções menos resistentes, como vias com proteção móvel, escaladas em neve e gelo.
Feitos estes esclarecimentos, surge uma nova pergunta: como saber qual é o poder de travamento de um freio de segurança ou rapel? A resposta a essa questão será dada no próximo boletim.
Frederico Noritomi
Diretor Técnico do CEG

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