sábado, 18 de outubro de 2014

Força de Travamento de Freios - Parte Final


No boletim do CEG de julho deste ano eu falei um pouco sobre a importância de se conhecer a força de travamento do freio utilizado para asseguramento e rappel em escalada
Entretanto, é muito difícil determinar um valor específico para a força de travamento porque ela depende de três fatores: o freio, a corda e a força da mão do assegurador. Os freios funcionam como multiplicadores da força da mão do assegurador. Alguns freios como o oito e o ATC são dispositivos simples de atrito em que a tensão da corda gerada pela mão do assegurador é multiplicada pelo coeficiente de atrito entre a capa da corda e o freio. Em outros freios, como o Gri-gri, o Logic, o SRC, o ABS, o TRE e o Trango Jaws, entram em ação sistemas mecânicos que esmagam a corda, aumentando ainda mais a força de atrito.
Não se pode afirmar, portanto, que um determinado freio suporta um impacto de 250 daN, pois esse valor só é verdadeiro se uma determinada pessoa o utilizar com determinada corda. Pessoas com pegadas mais fortes conseguem valores maiores, e o desgaste da corda e o aumento de seu diâmetro com o uso fazem crescer o atrito entre ela e o freio. Pessoas fracas utilizando cordas novas de diâmetros menores suportam forças alarmantemente pequenas.
Só para se der uma idéia da dificuldade de estabelecer parâmetros, uma pesquisa realizada por Kirk e Katie Mauthner, do Conselho de Resgate Técnico da Columbia Britânica, constatou que a variação da força da pegada da mão de freio de uma entre as pessoas é grande e não pode ser estimada por características físicas óbvias, como peso, tamanho e massa muscular. Alguns adultos podem exercer força de apenas 5 daN enquanto que outros podem chegar a 45 daN.
Ainda assim, os valores determinados em testes são importantes para comparação da performance dos freios. A UIAA formou um grupo de trabalho para criar uma norma de testagem de freios, mas vem esbarrando com a grande dificuldade de estabelecer a corda padrão. Como já foi dito, testes em cordas não padronizadas podem ter resultados diferentes.
A REI, uma enorme rede de lojas de equipamentos e materiais de outdoor, realizou alguns testes de força de travamento de diversos freios. Os engenheiros da REI utilizaram uma plataforma de quedas padrão UIAA modificada, com dois andares de altura. Eles utilizaram um bloco de aço de 80kg para simular o escalador. A esse bloco prenderam a corda, que passou então por um mosquetão preso ao topo da plataforma, voltando em seguida para o freio abaixo. Logo após o freio, duas placas acionadas por mola simulavam a mão de travamento, exercendo uma força considerada a média dos escaladores - um pouco mais de 11 kg.
Foram feitos várias séries de testes com diversos freios com os fatores de queda 1 e 0,375. Os resultados, publicados no livro Rock & Ice Gear, escrito por Clyde Soles, da editora The Mountaineers Books, mostram que, enquanto que com a maior parte dos freios a força de impacto ficou em torno de 4,5 kN, o Gri-gri ficou em 9,8 kN em média.
Nesse mesmo livro foram apresentados os resultados de testes parecidos feitos por alemães com fator de queda 0,375 em que o impacto na última costura em uma segurança com Gri-gri ficou em cerca de 5,3 kN, enquanto que com o nó UIAA ficou em 3,8 kN e com o oito ficou em 3,5 kN.
No livro "Cómo escalar vías de varios largos", publicado pela editora espanhola Desnível, Ignácio Lujan e Tino Núñez apontam as seguintes forças de travamento:
A Associação Alpina Alemã publicou na Revista Desnível n.° 192, de dezembro de 2002, um artigo divulgando os resultados de teste da força de travamento de freios, utilizando um modelo de teste muito parecido com o da REI. Foi testada, contudo, uma variedade maior de modelos de freios, de forças de pegada, havendo inclusive testes com mãos humanas. Os resultados estão abaixo:

Freio Força de travamento
Oito no modo rapel 150 daN
Oito no modo esportivo 100 daN
Placa Sticht 350 daN
Tubos 100 daN
ABS 250 daN

Fator de queda de 0,4 - "Mão simulada" a 25 daN
Dispositivo F. máx na reunião F. máx na costura Deslizamento de corda
Grigri 260 daN 560 daN 8 cm
TRE 250 daN 550 daN 8 cm
nó UIAA 220 daN 490 daN 30 cm
oito (forma de V) 210 daN 490 daN 22 cm
oito (quadrado) 230 daN 490 daN 27 cm
oito (pequeno) 190 daN 440 daN 40 cm
oito (grande) 190 daN 430 daN 44 cm
cestinha 170 daN 380 daN 51 cm

Fator de queda de 0,4 - Teste com mãos humanas
Dispositivo F. máx na reunião F. máx na costura Deslizamento de corda
nó UIAA pessoa 1 220 daN 490 daN 36 cm
nó UIAA pessoa 2 210 daN 490 daN 38 cm
oito (grande) pessoa 1 200 daN 420 daN 42 cm
oito (grande) pessoa 2 170 daN 430 daN 64 cm
cestinha pessoa 1 170 daN 410 daN 66 cm
cestinha pessoa 2 150 daN 380 daN 101 cm

Fator de queda de 0,4 - Teste com diferentes forças de "mão simulada"
Força da mão de 10 daN
Dispositivo F. máx na reunião F. máx na costura Deslizamento de corda
Grigri 270 daN 590 daN 9 cm
nó UIAA 170 daN 380 daN 71 cm
oito (grande) 150 daN 300 daN 160 cm
cestinha 160 daN 270 daN 182 cm

Força da mão de 25 daN
Dispositivo F. máx na reunião F. máx na costura Deslizamento de corda
Grigri 260 daN 560 daN 8 cm
nó UIAA 220 daN 490 daN 30 cm
oito (grande) 190 daN 430 daN 44 cm
cestinha 170 daN 380 daN 51 cm

Força da mão de 40 daN
Dispositivo F. máx na reunião F. máx na costura Deslizamento de corda
Grigri 250 daN 550 daN 9 cm
nó UIAA 240 daN 560 daN 13 cm
oito (grande) 220 daN 490 daN 13 cm
cestinha 220 daN 500 daN 22 cm

Nas tabelas acima, pode-se verificar que a força da mão, a força de travamento do freio e o deslizamento estão interrelacionadas da seguinte forma: quanto maior a força da mão, maior a força de travamento; quanto maior a força de travamento, menor o deslizamento da corda.
Também é interessante notar que a cestinha teve uma força de travamento um pouco menor do que a do oito. Ambos atuam de forma suave, poupando o sistema de segurança de escalada de forças de impacto elevada. Mas não devem ser utilizados por pessoas com pegada fraca nas mãos, tampouco para dar segurança a pessoas muito pesadas.
O nó UIAA e o oito em forma de V mostraram ter uma força de travamento razoavelmente maior do que a do oito comum e da cestinha, o que resulta em menor deslizamento de corda. A força de impacto pode chegar a valores muito grandes no caso de pessoas com muita força na mão de freio, mas, com certo treinamento, pode-se suavizar o asseguramento.
Tanto o Grigri quanto o TRE, alardeado freio automático dinâmico, tiveram resultados semelhantes. Eles geram uma força de impacto muito elevada sobre o sistema e não deixam correr quase corda alguma. São desaconselháveis para asseguramento de guia em escaladas tradicionais, devendo ser preferidos em vias esportivas com proteções bem sólidas. Ao contrário dos demais freios, a força de travamento e o deslizamento de corda praticamente independem da força da mão, não havendo como suavizar a força de impacto pela liberação de mais corda.
É importante ressaltar que esses testes foram realizados com a segurança presa em um ponto fixo, como se o freio estivesse preso diretamente na ancoragem. Não foi testado o asseguramento como freio preso ao baudrier, o que pode resultar em força sensivelmente menor no caso de quedas curtas.
Como podemos ver, os freios possuem forças de travamento bem distintas. Não há freio que sirva para tudo e para todos, tampouco há uma fórmula matemática para se determinar qual freio utilizar. Cada escalador deve se valer de bom senso para escolher o freio mais adequado à cada situação, levando em conta fatores como a força de travamento do freio, a força de sua mão, o diâmetro e o estado de sua corda, a qualidade das proteções, a inclinação da parede (quedas em lances menos íngremes geram forças de impacto menores), o peso dos escaladores... Isso se pensarmos apenas na questão da força de impacto e do deslizamento de corda, pois há outras características dos freios a se considerar, como a possibilidade de uso em rapel, a possibilidade de uso com corda dupla, a facilidade de manuseio, o peso, o preço...
Frederico Noritomi

Nenhum comentário:

Postar um comentário