sábado, 18 de outubro de 2014

Cordas de Escalada


Quando se fala em escalada, não há como deixar de pensar em corda. Mais do que uma rede de segurança para o guia e o participante, ela representa o companheirismo, a união e a interdependência entre os parceiros de escalada. 
Todo equipamento de montanhismo tem suas limitações e a corda não é uma exceção. Apesar de ser projetada para agüentar a maior força de impacto possível de uma queda, são incrivelmente frágeis e sensíveis à ação de agentes químicos e físicos e ao mau uso, que podem diminuir consideravelmente sua vida útil e até inutilizá-la. A correta utilização, manutenção e conservação da corda pode evitar acidentes e economizar a compra (salgada) de uma nova. 
Neste boletim e nos próximos, traremos artigos técnicos sobre cordas de escalada, e posteriormente sobre outros materiais, para que os leitores conheçam um pouco mais e otimizem a utilização desses apetrechos em que confiam a vida. 
Evolução. 
À vista dos montanhistas atuais, as cordas dos primórdios do montanhismo eram assustadoras. Sendo estáticas, exigiam segurança dinâmica de ombro ou quadril para frear uma queda; por não terem capa protetora, eram muito vulneráveis à abrasão, à ação de sujeira, radiação solar e umidade. Quem não conhece o acidente ocorrido na conquista do Matterhorn que se tornou trágico devido ao rompimento de uma corda? Apesar de todos esses defeitos, foram esses artefatos feitos de fibras naturais como sisal que levaram grandes heróis aos cumes das mais famosas montanhas do mundo. 
O advento do nylon durante a Segunda Guerra Mundial possibilitou a confecção de cordas mais leves, capazes de aguentar mais de 2 toneladas e, o que é ainda mais importante, elásticas. As primeiras cordas de escalada que possibilitaram a utilização de segurança estática eram constituídas de inúmeros e finíssimos filamentos de nylon formando três ou quatro feixes enrolados, o que lhes proporcionava elasticidade. A força de impacto de quedas nessas cordas era mínima, pois a energia cinética dissipava-se dinamicamente com o enlongamento. Apesar de muito mais avançadas do que as cordas de fibras naturais, eram duras de manusear, geravam muito atrito nos pontos de proteção e eram exageradamente elásticas, tornando inconveniente a ascensão pela corda e aumentando perigosamente a distância da queda. 
Para resolver todos esses problemas, criou-se a corda kernmantle. Essa maravilha tem uma alma de filamentos nylon paralelos ou enrolados envolta de uma capa macia de nylon trançado. A maior parte da força da corda é provida pela alma e a capa funciona como uma cobertura protetora, isolando-a e a protegendo dos efeitos nocivos dos agentes externos. A corda kernmantle tem todas as vantagens das cordas de nylon, mas minimiza os problemas como dureza, fricção e excessiva elasticidade. Atualmente são elas as únicas cordas aprovadas pela Union Internationale des Associations d´Alpinisme (UIAA). 
Escolha da corda  
A escolha de uma corda de escalada não é uma tarefa simples. As cordas são projetadas para estilos específicos de escalada e para certos ambientes. De uma forma geral, a corda de 11mm adequa-se a qualquer situação de escalada, mas outros tipos de corda são notavelmente melhores em determinados casos. 
A grosso modo podemos classificar as cordas de escalada da seguinte forma: 
Single ropes - são as cordas projetadas para serem utilizadas em única. São as preferidas dos escaladores devido à facilidade de manuseio e a sua leveza. As single ropes são fabricadas em diâmetros que variam de 9.8 a 11mm, sendo essa espessura diretamente proporcional a durabilidade. Todas as single ropes são identificadas pela marca em suas pontas de um número 1 dentro de um círculo. 
Double ropes ou half ropes - são cordas de escalada que devem ser usadas aos pares, apesar de não ser necessário clipar ambas em todas as costuras. Ao contrário, o ideal é que se alterne as cordas clipadas, pois dessa forma o atrito das cordas nas costuras é consideravelmente reduzido, principalmente em vias com muitos lances horizontais. As half ropes são encontradas em diâmetros de 8 a 9mm. Elas são ideais para escaladas alpinas, escaladas em gelo e outras atividades de montanhismo em que é necessário carregar duas cordas para rapel, não sendo razoável carregar duas pesadas single ropes. Também são muito utilizadas em vias com pedras afiadas em que há grande risco de cortar a corda. Todas as half ropes têm o símbolo 1/2 dentro de um círculo marcado em suas pontas. 
Twin ropes - são cordas de 7 a 9mm também utilizadas em par, o que lhes dá maior proveito no rapel e na segurança em vias com pedras cortantes. Mas, ao contrário das half ropes, ambas devem ser clipadas em todas as proteções, não havendo redução do atrito. Sua única vantagem sobre as half ropes é a leveza, o que as torna adequadas a longas vias de montanha em que não existem muitas proteções e em que o peso é fator essencial. As twin ropes podem ser identificadas por um dois dentro de um círculo marcado em suas pontas. Cuidado para não confundi-la com a half rope!  
Outras características: 
Impermeabilização - as capas e almas das dry ropes são sumetidas a tratamento imperabilizante à base de silicone ou teflon, que impede a absorção de água pela corda e aumenta a resistência da capa à abrasão. A película que se forma ao redor da corda faz com que deslize melhor nos mosquetões e sobre a pedra, diminuindo o atrito. Essa característica é essencial nas escaladas em neve e gelo, pois evita o congelamento da corda. 
Duas cores - em algumas cordas a cor da capa muda no meio da corda, tornando mais fácil a equalização das pontas no rapel e facilitando a identificação das pontas nas escaladas com half ropes. 
Comprimento - o padrão é 50 metros. A maior parte das vias foi conquistada para escalada com cordas de 50 metros, de forma que cordas mais curtas podem não permitir que o guia chegue à parada estabelecida e cordas mais compridas são peso à toa. Há quem goste de cordas de 55 ou 60 metros para ganhar mais alguns metros na hora do rapel, para poderem cortar as pontas gastas por quedas e para lidarem melhor com o encurtamento da corda com o tempo. As twin e half ropes, como são utilizadas em dupla, têm comprimento geralmente de 100 metros. 
Pontas especiais - algumas cordas têm as pontas mais macias que o restante para facilitar o encordamento e para absorver melhor o impacto em quedas curtas. Outras, geralmente utilizadas em ginásios de escalada indoor, têm a construção inversa, com as pontas mais duras e o meio normal, para evitar o iô-iô do escalador quando utilizadas para suportá-lo. Há ainda cordas com alguns metros próximos às pontas são mais resistentes, pois nesse trecho o mosquetão da última costura exerce o atrito, aumentando, assim, a durabilidade. 
Padrões de testagem: 
A UIAA testa equipamentos de escalada, entre eles as cordas, para determinar qual equipamento se adequa aos seu padrões. Como no montanhismo a falha do equipamento pode ser fatal, só se deve adquirir equipo homologado por esse órgão. 
Abaixo estão descritos os testes a que são submetidas as cordas de escalada para obterem a homologação da UIAA: 

Força de Impacto - é a força máxima que uma corda exerce sobre o escalador para frear a queda. Quanto maior a força de impacto, maior será o choque sobre o escalador e todo sistema de segurança (baudrier, costuras, grampos, freio, assegurador, ancoragem...). Uma força de impacto baixa, portanto, aumenta a segurança em caso de queda. A UIAA determina que a força de impacto máxima de uma corda seja de 1200 daN, mas as cordas mais avançadas chegam a 680 daN. 
Essa é a característica mais importante da corda de escalada que deve ser levada em conta na hora da compra. 
Número de quedas - como próprio nome já indica, é o número máximo de quedas fator 2 que uma corda suporta antes de se romper. O teste com single e twin ropes é realizado em três metros de corda que devem suportar quedas (5 para single e 12 para twin) de 6 metros de um peso de 80 kg. 
Há muitos mitos no montanhismo, um deles é a superestimação do número de quedas como fator de qualidade das cordas de escalada. Algumas pessoas consideram apenas o número de quedas da corda na hora da compra, como se esse fosse a característica mais relevante. Nos testes, contudo, as quedas são tão violentas que é praticamente impossível reproduzi-las durante uma escalada, pois o atrito da corda nos mosquetões, o contato do escalador em queda com a rocha, o movimento do segurança, a deformação dos mosquetões, o aperto dos nós contribuem conjuntamente para reduzir sensivelmente a força do impacto da queda. Um número máximo de quedas alto não significa necessariamente que uma corda é mais resitente e durável que a outra, apenas que suportou mais quedas no teste e que é mais cara. Outro detalhe que poucas pessoas conhecem é que o número de quedas máximo é determinado pelo fabricante - a UIAA, ao testar a corda apenas verifica se ela suporta a quantidade padrão de quedas, sem verificar o número máximo. 
Elongamento - para que uma elasticidade exagerada não se torne um incômodo ou aumente perigosamente a distância da queda, a UIAA estabelece que o elongamento da corda não pode passar de 8% quando carregada com 80kg. 
Flexibilidade do nó - quando submetido ao peso do escalador e a forças de impacto de quedas, o nó da corda tende a se apertar, tornando-se difícil de soltar em alguns casos. Por isso recomenda-se que após uma queda, o escalador desfaça e reate o nó de encordamento para diminuir a tensão da corda nesse ponto. Para atenuar esse problema, o diâmetro interno um nó na corda submetido a uma carga de 80kg tem um valor mínimo estabelecido pela UIAA. 
Deslizamento de capa - um dos sinais de envelhecimento da corda é o deslizamento da capa sobre a alma, que pode ser notado esfregando-a entre os dedos. Esse deslizamento é perigoso porque concentra a tensão sobre a capa ao invés da alma, o que pode acarretar no rompimento da primeira. Todas as cordas homologadas pela UIAA são submetidas a um teste em que 2 metros do produto passam cinco vezes por um equipamento especial. O deslizamento resultante não pode ser superior a 40mm, mas nas melhores cordas ele nem chega a ocorrer. 
Imagens copiadas do site da Beal: www.bealropes.com 
Frederico Noritomi

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