domingo, 15 de junho de 2014

Mosquetões desgastados

Este artigo é uma compilação de dois artigos publicados pelo departamento técnico da Black Diamond (QC Lab), sendo o primeiro publicado em 09 de julho de 2009 e relembrado no segundo artigo de 4 de outubro de 2010 após um acidente ocorrido em Red River Gorge quando o escalador caiu e a corda foi completamente cortada pelo mosquetão da corda da costura fixada na primeira proteção.
Os artigos foram traduzidos com autorização da Black Diamond USA (textos originais em inglês, de julho e outubro).
Dando sequência aos artigos sobre os cuidados com equipamentos, esta dica trata de algo importante para você observar durante as escaladas nas férias de fim de ano, especialmente em ginásios de escalada. Quão perigosos são mosquetões desgastados pela corda, com arestas vivas?
Kolin Powick, do depto técnico da Black Diamond, realizou uma série de testes com mosquetões desgastados pela corda com arestas vivas que encontrou pelas paredes escalando. O maior risco que estes mosquetões representam não é a queda sua resistência, mas o risco de que a corda seja cortada. Conforme os mosquetões são desgastados pela fricção com a corda, uma depressão com arestas vivas vai se formando e a corda corre diretamente sobre elas. Estas arestas tornam-se particularmente perigosas para a sua corda durante uma queda, descendo ‘de baldinho’ ou quando ‘içando’.
Para o teste, Kolin recolheu uma série de mosquetões desgastados encontrados numa falésia local de vias esportivas, cordas (algumas novas, outras surradas, alguns pedaços das pontas, outros do meio da corda, todas com cerca de 10.5mm) e seguiu para a torre de testes.
Método dos testes
Não foram realizados testes com todas as combinações possíveis, apenas os testes necessários para passar uma idéia geral do que poderia ocorrer em certas situações. Começou-se utilizando-se um fator de queda de 0.6, massa de 80 Kg e uma segurança ligeiramente dinâmica. Caso a corda não fosse cortada na primeira queda continuou-se soltando a massa na mesma parte da corda até que ela se rompesse. Obviamente isto não é super realista pois caso você tenha uma queda forte e rompa a capa da corda você provavelmente terá o bom-senso para NÃO tentar e cair novamente EXATAMENTE no mesmo lugar da sua corda.
Quando elevou-se o fator de queda para 1, a massa aumentou para 100Kg e utilizou-se uma segurança estática.
Os Resultados
    Observações, Comentários e Conclusões
    Então, o que isso tudo significa? Não realizamos testes suficientes para elaborar nenhuma conclusão concreta, mas podemos fazer algumas observações gerais e comentários, bem como decidir o que gostaríamos de testar em seguida:
  • Você não pode comparar todos estes dados de igual para igual uma vez que a ‘afiação’ de um tipo de mosquetão para outro é um pouco diferente. Isto pode ter uma influência drástica no resultado do teste.
    • Aparentemente é pouco provável que um escalador típico (aprox. 80 Kg) em uma queda típica (fator de queda 0.6 ou menor, utilizando uma segurança ligeiramente dinâmica) irá cortar completamente a corda em uma única queda sobre um mosquetão com arestas vivas.
    • Contudo, dependendo da afiação do mosquetão e do tipo de segurança É possível que a corda seja completamente cortada em uma segunda queda.
    • Como esperado, uma maior massa com fator de queda maior e segurança estática resulta na corda sendo cortada antes, em um caso, com uma corda NOVA, na PRIMEIRA QUEDA (ex: escalador pesado + corda nova + mosquetão com arestas + queda forte = CORDA CORTADA).
  • Mosquetões novos são muito mais gentis com as cordas do que mosquetões com arestas vivas.
  • Uma segurança dinâmica é mais suave na corda do que a segurança estática.
  • Mesmo um mosquetão com raio grande (como o RocLock) pode causar dano à corda caso todos os outros parâmetros não estejam a seu favor (ex: corda velha, segurança estática, queda forte, escalador pesado).
Caso fossemos dar continuidade a esta linha de experimentos, nós poderíamos realizar uma matriz de testes mais completa, alterando apenas uma variável por vez, o que poderia esclarecer quais fatores possuem a maior influência na possibilidade de dano à corda em uma queda.
    Quais mosquetões ganham arestas vivas e por que?
  1. Primeira proteção
    Seguradores tipicamente ficam muito longe da parede. Isto resulta em um ângulo agudo na corda entre o escalador e a primeira costura e depois via acima. Ao baixar um escalador, a corda, freqüentemente suja e cheia de grãos de terra, lentamente cava uma depressão no mosquetão. Em dois acidentes que ocorreram em que a corda foi completamente cortada, isto ocorreu na primeira proteção.
  2. Proteção do crux
    Muitos escaladores sendo abaixados do mesmo mosquetão (caindo na mesma proteção no crux). Isto possui o mesmo efeito que acima, o ângulo agudo da corda passando pelo mosquetão e o peso do escalador sendo abaixado é o que faz com que a corda corte lentamente o mosquetão.
  3. Fora da linha
    Freqüentemente quando a linha das proteções não é reta, um mosquetão fora da linha pode acabar desgastado. Novamente, isto é causado pela corda e seu ângulo passando pela superfície do mosquetão.
+ 1 Teste
Quando o segundo artigo foi publicado, após o acidente em Red River Gorge, mais um teste foi realizado, para averiguar o que seria necessário para cortar uma corda em um mosquetão com arestas vivas em um cenário com queda dura, mas realista.
    Setup
  • mosquetão com arestas vivas (mosquetão exibido na foto acima)
  • massa de 80 Kg
  • corda nova de 10.2 mm
  • queda forte, mas realista
  • segurança estática
    Resultados
  • corda cortada na PRIMEIRA queda (veja imagem abaixo)
  • carga máxima atingida – aprox 7 KN
Discussão
Novamente, o que isto significa? O que 7 KN realmente representam para a proteção? O que isto significa para você, o equipamento e a corda?
    Bom... quedas de 7 KN podem e acontecem em campo. Isto pode ocorrer:
  • geralmente quando não há muita corda em uso (ex: no começo da escalada). Com pouca corda na via, há pouca corda para ajudar a absorver a energia da queda (= fator de queda alto).
  • e com uma segurança próxima e estática (ex: segurador recolhe a corda e se inclina para trás, evitando que o guia bata na parede). As cargas são reduzidas com uma segurança dinâmica, mas aumentam com uma segurança estática.
O escalador geralmente ‘sente’ esse tipo de queda. Seus rins estão sendo surrados, seus quadris estão sensíveis e seus pés talvez estejam doendo do choque contra a parede. Muitos escaladores têm uma queda forte no começo da via, geralmente seguida de um grunhido e ‘me desça’.
É exatamente neste tipo de quedas fortes no começo de uma via com um mosquetão afiado em jogo e a corda correndo sobre esta aresta viva em ângulo (e o segurador afastado da parede) que podem resultar em dano e corte da corda.
Moral da História
Embora seja pouco provável que uma queda em um mosquetão com arestas vivas corte a sua corda, a capa será cortada expondo a alma. Contudo, é sempre melhor prevenir do que remediar e trocar o seu equipamento surrado é um bom hábito a ser praticado.
    Algumas medidas que você pode tomar para reduzir o impacto em equipamento fixo:
  • fique próximo à parede quando fizer segurança, especialmente ao baixar o escalador.
  • utilize uma costura própria na primeira proteção de vias com proteções fixas
  • utilize fitas longas para reduzir o atrito da corda
  • utilize mosquetões de aço em vias de ‘tráfego intenso’ com costuras fixas.
E é claro, está no interesse de todos substituir proteções fixas desgastadas e em má condição.
Escale com segurança!
Samanta Chu
Diretora Técnica

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